Opinião: Judicialização não é o remédio adequado para a saúde

Gabriel Schulman*


Um em cada quatro brasileiros utiliza os planos de saúde. Essa modalidade contratual tão importante frequentemente gera discussões na justiça, e, entre os temas mais debatidos, a extensão da cobertura com certeza tem destaque. Entre outros aspectos, os tribunais discutem  a natureza do rol de procedimentos estabelecido pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Em outras palavras, a questão é definir em quais situações os planos de saúde são obrigados a cobrir os procedimentos, exames e tratamentos.

Em recente decisão, a 2.ª seção do Superior Tribunal de Justiça estabeleceu que o rol da ANS é taxativo. Esse julgamento teve ampla repercussão, afinal, estabelece  que as operadoras são obrigadas a cobrir somente procedimentos que estejam na lista da ANS. A tese, ou seja, a interpretação pode ser dividida em quatro itens: o rol de procedimentos da ANS, em regra, é taxativo; o plano de saúde não é obrigado a arcar tratamento que não conste do rol da ANS, desde que esteja prevista uma alternativa eficaz, efetiva e segura prevista na listagem; é possível contratar coberturas adicionais, ou seja, “extra rol”; e, por fim, se não houver alternativa de tratamento no rol, pode ser coberto o tratamento indicado por médico ou odontólogo desde que, ao mesmo tempo, sua inclusão não tenha sido negada pela ANS, existam evidências científicas suficientes e recomendações de órgãos técnicos de renome. Exige-se também, sempre que possível, que o juiz escute pessoas ou entes com especialidade em saúde, inclusive a própria comissão responsável pela atualização do rol. 

Em termos práticos, a decisão do Superior Tribunal de Justiça confere uma importância central para o rol da ANS, antes considerado uma simples referência. Além disso, estabeleceu regras mais claras acerca das possíveis exceções, restringindo a possibilidade de ultrapassar o rol.

É interessante notar que essa mudança de entendimento veio acompanhada da mudança na sistemática da atualização da lista da ANS. A legislação vigente reduziu o tempo de análise pela ANS para 180 dias (prorrogáveis por mais 90), e, no caso de inclusão de novos medicamentos para tratamento oral e domiciliar contra o câncer o prazo é de apenas 120 dias (prorrogáveis por mais 60). Uma vez que o procedimento é incluído no rol, a cobertura se torna obrigatória em apenas 10 dias. E o que acontece se a ANS não cumprir os prazos? Ocorre a inclusão automática da cobertura. Em outra mudança importante, as tecnologias incorporadas ao SUS são igualmente acrescentadas no rol da ANS em um prazo de 60 dias.

Verifica-se um amplo conjunto de mudanças em relação ao rol. A interpretação de sua natureza taxativa certamente limita o acesso a alguns procedimentos, mas, por outro lado, organiza o sistema, confere mais previsibilidade para os pacientes, médicos e planos de saúde. A maior velocidade na avaliação e incorporação dos procedimentos igualmente beneficia os pacientes, com uma vantagem a mais: o Judiciário deixa de ser uma etapa necessária para alcançar o acesso aos tratamentos. Entre críticas e elogios, não resta dúvida que a judicialização não é o remédio adequado para a saúde.

*Gabriel Schulman, doutor em Direito, especialista em Direito da Medicina, advogado e professor da Escola de Direito e Ciências Sociais da Universidade Positivo (UP).

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